HOJE É VESPERAS DE ELEIÇÕES!
UMA MODESTA PROPOSTA
PARA A REFORMA POLÍTICA DO BRASIL
PARA A REFORMA POLÍTICA DO BRASIL
Aprendo muito lendo autores antigos. É o caso de Jonathan Swift, que
escreveu as Viagens de Gulliver, que todo mundo conhece. Jonathan Swift
era dotado de uma imaginação assombrosa que vinha sempre misturada com humor. Escreveu, por exemplo, um livrinho com
o título Uma pequena proposta para se resolver o problema da fome e do
excesso de população dos pobres na Irlanda (não sei se o título era
exatamente esse...) em que ele sugeria que, se os pobres famintos comessem os seus filhos dois
problemas estariam resolvidos de um só golpe: o problema da fome e o problema
do excesso de população. É claro que essa proposta foi apenas uma gozação e
serve para mostrar que há soluções óbvias que são monstruosas.
No espírito de Jonathan Swift atrevo-me a apresentar uma pequena
proposta para se resolver o problema político do Brasil.
O problema que mais ofende é a corrupção. O Congresso se transformou,
aparentemente, numa cassada aos corruptos. Fiquei assombrado quando um deputado
mostrou na televisão as pilhas de documentos que deveriam ser analisados pela
CPI de que faz parte. Uma tonelada... Pensei: quanto tempo vai demorar? Ler
tudo aquilo para se chegar a uma conclusão? O Brasil não pode esperar.
Lembrei-me então das Viagens de Gulliver. Um dos países por ele
visitado era notável por suas universidades e instituições de pesquisa
científica. Numa outra ocasião escreverei sobre elas, pois as observações de
Gulliver poderão ser de grande valia quando surgir a ocasião para uma reforma
universitária.
Lagado era o nome desse país erudito. Pois o departamento de Política de
uma das suas universidades estava trabalhando num projeto revolucionário, a
pedido do governo. O governo estava preocupado com a possibilidade de sedição
entre os parlamentares, talvez até mesmo um complô para matar o rei. Como
descobrir esses inimigos da ordem pública? Responderam os cientistas: “É fácil
Majestade. Basta que se façam, periodicamente, análises das fezes daqueles
sobre quem caem as suspeitas. Porque as intenções da alma se acham reveladas
nos excelentíssimos cocôs. É no cocô que se encontra a somatização da
sedição.”
O rei ficou encantado com sugestão tão científica e à pesquisa foram
dados fundos generosos e sem limites que foram a felicidade dos pesquisadores.
Acontece, entretanto, que os resultados da pesquisa foram negativos. Não
porque a teoria estivesse errada mas porque os cientistas se enganaram num
ponto: a sedição não é somatizada no cocô; ela é somatizada na bílis verde. O
que é somatizado no cocô é a corrupção. Isso só ficou demonstrado através da
sagacidade analítica de Freud que demonstrou que, simbolicamente, cocô = dinheiro. Assim, chega-se ao caráter de uma pessoa através da análise do cocô e
dos seus hábitos escatológicos. Em primeiro lugar analisa-se o cocô em si
mesmo: consistência, cor, cheiro, volume. A seguir analisam-se os hábitos da
pessoa em questão tais como posição, expressões fisionômicas, frequência, se lê
ou não jornais enquanto obra. Essa análise permite ao médico concluir se os
cocos em questão se tratam de um corrupto ou não.
Um procedimento semelhante a esse, aplicado aos nossos congressistas,
evitaria a chateação e a demora das intermináveis sessões de interrogatório e
de pilhas de documentos a serem lidos. As televisões anunciariam simplesmente:
“O Departamento de Escatologia Política, havendo analisado as fezes do
excelentíssimo ( nome da pessoa), chegou à seguinte conclusão ( segue-se a
conclusão). Tomar-se-iam então as providências legais cabíveis cientificamente
justificadas.
Mas não basta que os representantes do povo sejam honestos. O mundo está
cheio de pessoas honestas e burras. Um deputado burro é uma vergonha nacional.
Com base nessa constatação apresento minha segunda proposta: todos os candidatos
a representantes do povo, em todos os seus níveis, deverão passar por um exame
vestibular antes de serem aceitos como candidatos. Ouvi dizer que numa cidade
do nordeste há um prefeito que não consegue assinar o nome. Claro que isso deve
ser intriga da oposição. Mas, da mesma forma como os produtos mais simples só
podem ser oferecidos ao público depois de passados pelo controle de qualidade,
julgamos que a mesma norma deve se aplicar aos candidatos a vereadores,
deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidente.
O exame seria muito simples, em nada parecido com os vestibulares. Não
haveria questões sobre logaritmos neperianos, nem sobre a tabela periódica e
nem sobre escolas literárias. Seriam questões tiradas do cotidiano da vida de
um excelentíssimo. Por exemplo:
“Justifique filosófica e praticamente a obrigatoriedade do uso da
gravata nos espaços do Congresso.” Faço essa pergunta em parte movido pela
curiosidade porque não sei para que serve a gravata. Teria sido, nas suas
origens, um guardanapo que se amarrava ao pescoço? Mas eu não posso admitir que
um deputado ou senador faça alguma coisa sem saber por que.
Outra questão: “Justifique psicologicamente o uso obrigatório de “Vossa
Excelência” nos tratamentos nas sessões do Congresso. Esse tratamento significa
que aquele que está falando realmente acredita que o seu interlocutor é
excelente? Tem de acreditar. Caso contrário ele estaria mentindo, o que é
imperdoável num representante do povo. De quais critérios se vale para
determinar a excelência? Dada a suspeita de que há muitos corruptos no
congresso, não seria prudente suspender por um período de tempo esse
tratamento? E isso porque um corrupto poderia alegar inocência afirmando, com
razão, que todos o trataram por “Vossa Excelência” nos interrogatórios. Se ele
é excelente, como poderia ser corrupto? Excelente é o superlativo de bom. Se,
ao invés da excelente, um congressista fosse tratado por “bom”, isso seria uma
quebra do decoro parlamentar por parte daquele que assim o tratou?
Outra pergunta: “Para que serve o dedo indicador do urologista?” Devo
advertir o meu leitor pouco informado que os urologistas são os médicos que os
homens mais temem, precisamente por causa do seu dedo indicador. Num congresso
médico um urologista amigo, esticou as mãos e disse: “Veja como o meu dedo
indicador da mão direita é mais grosso que o dedo indicador da mão esquerda...”
Era verdade... Por não saber para que serve o dedo indicador do urologista um
deputado ( se ele não sabe para que serve o dedo indicador de um urologista,
coisa de conhecimento público até das mulheres,
poderá o dito deputado saber das coisas mais graves da vida política,
que muito se parece com um consultório de urologista, tendo o povo como
paciente? ) subiu à tribuna para acusar
o seu urologista de haver desrespeitado o seu excelentíssimo cu. Perdoem-me os
meus leitores, pelo uso dessa palavra de duas letras tão chula. Mas, o que é
isso comparado àquilo que os corruptos estão fazendo enquanto dizem “Vossa
Excelência”? Valho-me do antecedente da Adélia Prado que escreveu um texto
inteiro sobre tal orifício. Pornográfico mesmo foi o deputado que, ignorando
para que serve o dedo do urologista, levou o seu excelentíssimo cu para a
tribuna. Isso teve repercussões internacionais e os portugueses morreram de rir
dos brasileiros. No Brasil rimos das piadas dos portugueses. Mas os portugueses
se riem da política brasileira.
O exame vestibular seria, assim, feito com perguntas óbvias, tiradas do
cotidiano da vida. Se o pretendente não
passasse não poderia se candidatar.
Aí estão essas duas modestas propostas que, se aplicadas de forma
correta, matarão dois coelhos com uma cajadada só: a corrupção e a burrice.
Espero a ocasião propícia para apresentá-las ao congresso nacional.
RUBEM ALVES.
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