sábado, 7 de janeiro de 2012

Explicando Política às Crianças II


Meninos e meninas: eu estava contando como tudo começou, esse jogo chamado política, parecido com o jogo de xadrez e suas peças, faraós, reis, imperadores, czares, deputados, senadores, juntas militares, generalíssimos, eminências pardas, eleições, muito dinheiro, tudo misturado, tudo se movendo sobre um tabuleiro quadriculado chamado poder. Aquelas avenidas horizontais, verticais e oblíquas desenhadas no tabuleiro são as avenidas do poder. É necessário conhecer as avenidas do poder para se jogar o jogo da política. Mas há uma diferença: no jogo do xadrez todas as avenidas são visíveis e claras. O xadrez é um jogo transparente. O jogo da política é mais complicado: há muitas avenidas de poder no lado oculto do tabuleiro, o lado que ninguém vê. O jogo da política é o jogo da não transparência. Razão por que só os bobos acreditam no que veem. Todas CPIs, apurações, investigações e depoimentos existem a fim de trazer o lado oculto do poder à visibilidade. Mas, como se sabe, bichos que vivem no lado debaixo do tabuleiro, escondidos, tais como as lacraias, piolhos de cobra, centopeias, miriápodes, escorpiões, vermes, lesmas não gostam de ser vistos. Fazem tudo para que o tabuleiro do poder não seja revirado. Quando o tabuleiro é revirado é aquele susto. Primeiro, susto dos que viviam escondidos no escuro que se põe então a correr, em busca do escuro. Segundo, susto dos que viviam no claro: eles nunca haviam imaginado que o lado escondido do tabuleiro do poder fosse assim tão repulsivo.
E há uma pecinha sem importância, sem vontade própria, que vai sendo empurrada para lá e para cá, chamada povo. Para o povo vale o aforismo: “Os elefantes, quer façam amor quer façam a guerra, a grama sempre sofre” O povo é a grama.
O “fim do jogo se anuncia com a expressão “xeque mate” que, segundo suas origens etimológicas no pérsico que dizer” o rei está morto.”
E foi precisamente assim que nossa primeira lição de política terminou: as cabeças do rei e da rainha da França haviam sido cortadas pela guilhotina, os cidadãos celebrando alegremente numa praça, com pipoqueiros e vendedores de espetinhos. Num outro lugar fechado, para que ninguém visse, todos os membros da família real da Rússia, inclusive as crianças, estavam caídas em poças de sangue, perfuradas pelas balas dos vencedores. Isso, para que nenhum tolo tivesse a esperança de volta. Os vencedores estão sempre acima do bem e do mal. Esse evento ainda é celebrado como um marco monumental na evolução histórica de humanidade!
O “xeque mate” marca o fim do jogo de xadrez. O rei morto marca o fim de um jogo político cujas regras eram definidas por um “contrato social”. Então para que a morte do rei não signifique a volta ao estado de “guerra de todos contra todos”, é necessário que se definam novas regras. Novo paradigma. E como foi o “povo” que pôs fim ao jogo antigo, é justo que seja o povo que estabeleça as regras do novo jogo. “O poder pertence ao povo”: essa foi a regra fundamental do jogo. Com justiça absoluta. Se você não sabe, essa é a essência da democracia. A palavra democracia vem da junção de duas palavras gregas: “demos”, que quer dizer “povo” e “kratein” que quer dizer “governar”. Governo do povo e para o povo: haverá coisa mais bonita?
Acontece que as coisas são mais fáceis na teoria que na prática. É fácil sonhar com o vôo. É difícil fazer um avião. É fácil sonhar com o ideal democrático. É muito difícil transformá-lo numa máquina que funcione.
Como criar um sistema político em que seja o povo que exercita o poder? Em Atenas, cidade considerada o berço da democracia, esse problema se resolvia de forma simples: os cidadãos livres se reuniam numa praça, debatiam as questões e votavam. A proposta que tivesse mais votos ganhava. Isso era fácil porque Atenas era uma cidade pequena. Mas como reunir os cidadãos de Paris, de Moscou, de Roma? A primeira dificuldade seria colocá-los juntos numa praça. A segunda dificuldade seria fazê-los ouvir as propostas (não havia alto-falantes). A terceira dificuldade seria fazê-los entender as propostas... Há muitos problemas sobre os quais o povo nada sabe. Podem os ignorantes tomar decisões sobre assuntos que ignoram? A maioria é sempre mais sábia? Se o seu filho estiver doente, você vai acreditar no diagnostico de um único médico ou no diagnóstico da família inteira reunida? Em muitas situações a sabedoria se encontra no “um” e não nos “muitos”.
A solução encontrada se baseava num pressuposto filosófico: os cidadãos são seres racionais. Eles sabem o que é bom para eles. Assim, tratava-se de escolher um cidadão, dentre os muitos, que representasse os pensamentos e desejos gerais. Essa pessoa assim escolhida se tornaria, então, “representante” de todos aqueles que haviam votado nela. Pois é isso que é o voto: abro mão do meu direito de exercer diretamente o meu poder e o transfiro para outro, em quem confio. Esse outro será o meu “representante”. Não só meu, mas de todas as pessoas que tiverem votado nele. Assim, o voto seria o exercício racional da vontade do povo que, conhecedor das alternativas que se abrem, opta por aquela que lhe parece mais sábia. O voto seria, ao mesmo tempo, um exercício de poder e de sabedoria. Democracia só faz sentido com um povo sábio. A partir disso formam-se os partidos. Um partido é o conjunto daqueles que, juntos, querem que o barco navegue numa determinada direção. Há partidos que querem que o barco continue em frente. Outros preferem à direita. E há aqueles que querem que o barco navegue para a esquerda. Há ainda outros que querem que o barco fique dando voltas...
E foi assim que se formou a democracia, governo do povo pelo povo, povo inteligente, que sabe o que quer que, por meio do voto escolhe os seus representantes que, em seu nome, irão exercer o poder...
Com o passar do tempo descobriu-se que era muito fácil eleger um representante. O difícil era tirá-lo do poleiro do poder. O poder é um pássaro que não abandona o poleiro. Tem garras fortes. O que fazer quando o pássaro não quer deixar o poleiro?
Rubem Alves.

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