terça-feira, 10 de janeiro de 2012


Assassinos da Língua

Uma jovem, na sua aflição, me enviou um e-mail com um pedido de socorro. Vai se submeter à violência dos vestibulares e um dos instrumentos de tortura será um livro que escrevi. Ela me pedia que eu fizesse um resumo do livro. Resumir? O que é resumir? É dizer em poucas palavras aquilo que foi dito com muitas palavras. Só se pode resumir um livro se ele está cheio de palavras supérfluas. Mas a literatura é feita, precisamente, com palavras essenciais, palavras que não podem ser retiradas. Como resumir uma sonata de Mozart? Como resumir um poema? Como resumir uma viagem? Como me resumir? Pois o que escrevo é feito com pedaços de mim. Sou resumível? A jovem que me fez o pedido não é culpada. Culpados são aqueles que, por anos, têm preparado os exames vestibulares. Assassinos da língua. Deveriam ser presos. Há, inclusive, livros que se vendem nas livrarias com os resumos das obras de literatura. Literatura é coisa que se faz por prazer. É possível resumir o prazer? Por favor: resuma o ato de “fazer amor“. Fazer amor depressinha, com leitura dinâmica. O que os exames pretendem é que o ato de fazer amor com os livros – vagaroso, degustador – tome como modelo o rapidíssimo coito dos galos e galinhas... Isso não é um absurdo?
Rubem Alves

Nenhum comentário:

Postar um comentário