domingo, 11 de novembro de 2012



A Pequena Alma e o Sol


Era uma vez, em tempo nenhum, uma Pequena Alma que disse a Deus:
 - Eu sei quem sou!
 E Deus disse:
 - Que bom! Quem és tu?
 E a Pequena Alma gritou:
 - Eu sou Luz
 E Deus sorriu.
 - É isso mesmo! - exclamou Deus. - Tu és Luz!
 A Pequena Alma ficou muito contente, porque tinha descoberto aquilo que todas as almas do Reino deveriam descobrir.
 - Uauu, isto é mesmo bom! - disse a Pequena Alma.
 Mas, passado pouco tempo, saber quem era já não lhe chegava. A pequena Alma sentia-se agitada por dentro, e agora queria ser quem era. Então foi ter com Deus (o que não é má ideia para qualquer alma que queira ser Quem Realmente É) e disse:
 - Olá Deus! Agora que sei Quem Sou, posso sê-lo?
 E Deus disse:
 - Quer dizer que queres ser Quem já És?
 - Bem, uma coisa é saber Quem Sou, e outra coisa é sê-lo mesmo. Quero sentir como é ser a Luz! - respondeu a pequena Alma.
 - Mas tu já és Luz - repetiu Deus, sorrindo outra vez.
 - Sim, mas quero senti-lo! - gritou a Pequena Alma.
 - Bem, acho que já era de esperar. Tu sempre foste aventureira - disse Deus com uma risada. Depois a sua expressão mudou.
 - Há só uma coisa...
 O quê? - perguntou a Pequena Alma.
 - Bem, não há nada para além da Luz.
 Porque eu não criei nada para além daquilo que tu és; por isso, não vai ser fácil experimentares-te como Quem És, porque não há nada que tu não sejas.
 - Hã? - disse a Pequena Alma, que já estava um pouco confusa.
 - Pensa assim: tu és como uma vela ao Sol. Estás lá sem dúvida. Tu e mais milhões, ziliões de outras velas que constituem o Sol. E o Sol não seria o Sol sem vocês. 'Não seria um sol sem uma das suas velas... e isso não seria de todo o Sol, pois não brilharia tanto. E, no entanto, como podes conhecer-te como a Luz quando estás no meio da Luz - eis a questão'.
 - Bem, tu és Deus. Pensa em alguma coisa! - disse a Pequena Alma mais animada.
 Deus sorriu novamente.
 - Já pensei. Já que não podes ver-te como a Luz quando estás na Luz, vamos rodear-te de escuridão - disse Deus.
 - O que é a escuridão? Perguntou a Pequena Alma.
 - É aquilo que tu não és - replicou Deus.
 - Eu vou ter medo do escuro? - choramingou a Pequena Alma.
 - Só se o escolheres. Na verdade não há nada de que devas ter medo, a não ser que assim o decidas. Porque estamos a inventar tudo. Estamos a fingir.
 - Ah! - disse a Pequena Alma, sentindo-se logo melhor.
Depois Deus explicou que, para se experimentar o que quer que seja, tem de aparecer exatamente o oposto.
 - É uma grande dádiva, porque sem ela não poderíamos saber como nada é - disse Deus - Não poderíamos conhecer o Quente sem o Frio, o Alto sem o Baixo, o Rápido sem o Lento. Não poderíamos conhecer a Esquerda sem a Direita, o Aqui sem o Ali, o Agora sem o Depois. E por isso, - continuou Deus - quando estiveres rodeada de escuridão, não levantes o punho nem a voz para amaldiçoar a escuridão. Sê antes uma Luz na escuridão, e não fiques furiosa com ela. Então saberás Quem Realmente És, e os outros também o saberão. Deixa que a tua Luz brilhe tanto que todos saibam como és especial!'
 - Então posso deixar que os outros vejam que sou especial? - perguntou a Pequena Alma.
 - Claro! - Deus riu-se. - Claro que podes! Mas lembra-te de que 'especial' não quer dizer 'melhor'! Todos são especiais, cada qual à sua maneira! Só que muitos esqueceram-se disso. Esses apenas vão ver que podem ser especiais quando tu vires que podes ser especial!
 - Uau - disse a Pequena Alma, dançando e saltando e rindo e pulando. - Posso ser tão especial quanto quiser!
 - Sim, e podes começar agora mesmo - disse Deus, também dançando e saltando e rindo e pulando juntamente com a Alma - Que parte de especial é que queres ser?
 - Que parte de especial? - repetiu a Pequena Alma. - Não estou a perceber.
 - Bem, - explicou Deus - ser a Luz é ser especial, e ser especial tem muitas partes. É especial ser bondoso. É especial ser delicado. É especial ser criativo. É especial ser paciente. Conheces alguma outra maneira de ser especial?
 A Pequena Alma ficou em silêncio por um momento.
 - Conheço imensas maneiras de ser especial! - exclamou a Pequena Alma - É especial ser prestável. É especial ser generoso. É especial ser simpático. É especial ser atencioso com os outros.
 - Sim! - concordou Deus - E tu podes ser todas essas coisas, ou qualquer parte de especial que queiras ser, em qualquer momento. É isso que significa ser a Luz.
 - Eu sei o que quero ser, eu sei o que quero ser! - proclamou a Pequena Alma com grande entusiasmo. - Quero ser a parte de especial chamada 'perdão'. Não é ser especial alguém que perdoa?
 - Ah, sim, isso é muito especial, assegurou Deus à Pequena Alma.
 - Está bem. É isso que eu quero ser. Quero ser alguém que perdoa. Quero experimentar-me assim - disse a Pequena Alma.
 - Bom, mas há uma coisa que devias saber - disse Deus.
 A Pequena Alma já começava a ficar um bocadinho impaciente. Parecia haver sempre alguma complicação.
 - O que é? - suspirou a Pequena Alma.
 - Não há ninguém a quem perdoar.
 - Ninguém? A Pequena Alma nem queria acreditar no que tinha ouvido.
 - Ninguém! - repetiu Deus. Tudo o que Eu fiz é perfeito. Não há uma única alma em toda a Criação menos perfeita do que tu. Olha à tua volta.
Foi então que a Pequena Alma reparou na multidão que se tinha aproximado. Outras almas tinham vindo de todos os lados - de todo o Reino - porque tinham ouvido dizer que a Pequena Alma estava a ter uma conversa extraordinária com Deus, e todas queriam ouvir o que eles estavam a dizer. Olhando para todas as outras almas ali reunidas, a Pequena Alma teve de concordar. Nenhuma parecia menos maravilhosa, ou menos perfeita do que ela. Eram de tal forma maravilhosas, e a Luz de cada uma brilhava tanto, que a Pequena Alma mal podia olhar para elas.
 - Então, perdoar quem? - perguntou Deus.
 - Bem, isto não vai ter piada nenhuma! - resmungou a Pequena Alma - Eu queria experimentar-me como Aquela que Perdoa. Queria saber como é ser essa parte de especial.
 E a Pequena Alma aprendeu o que é sentir-se triste.
 Mas, nesse instante, uma Alma Amiga destacou-se da multidão e disse:
 - Não te preocupe, Pequena Alma, eu vou ajudar-te - disse a Alma Amiga.
 - Vais? - a Pequena Alma animou-se. - Mas o que é que tu podes fazer?
 - Ora, posso dar-te alguém a quem perdoares!
 - Podes?
 - Claro! - disse a Alma Amiga alegremente. - Posso entrar na tua próxima vida física e fazer qualquer coisa para tu perdoares.
 - Mas por quê? Porque é que farias isso? - perguntou a Pequena Alma. - Tu, que és um ser tão absolutamente perfeito! Tu, que vibras a uma velocidade tão rápida a ponto de criar uma Luz de tal forma brilhante que mal posso olhar para ti! O que é que te levaria a abrandar a tua vibração para uma velocidade tal que tornasse a tua Luz brilhante numa luz escura e baça? O que é que te levaria a ti, que danças sobre as estrelas e te moves pelo Reino à velocidade do pensamento, a entrar na minha vida e a tornares-te tão pesada a ponto de fazeres algo de mal?
 - É simples - disse a Alma Amiga. - Faço-o porque te amo.
 A Pequena Alma pareceu surpreendida com a resposta.
 - Não fiques tão espantada - disse a Alma Amiga - tu fizeste o mesmo por mim. Não te lembras? Ah, nós já dançamos juntas, tu e eu, muitas vezes. Dançamos ao longo das eternidades e através de todas as épocas. Brincamos juntas através de todo o tempo e em muitos sítios. Só que tu não te lembras. Já fomos ambas o Todo. Fomos o Alto e o Baixo, a Esquerda e a Direita. Fomos o Aqui e o Ali, o Agora e o Depois. Fomos o Masculino e o Feminino, o Bom e o Mau - fomos ambas a vítima e o vilão. Encontramo-nos muitas vezes, tu e eu; cada uma trazendo à outra a oportunidade exata e perfeita para Expressar e Experimentar Quem Realmente Somos.
 - E assim, - a Alma Amiga explicou mais um bocadinho - eu vou entrar na tua próxima vida física e ser a 'má' desta vez. Vou fazer alguma coisa terrível, e então tu podes experimentar-te como Aquela Que Perdoa.
 - Mas o que é que vais fazer que seja assim tão terrível? - perguntou a Pequena Alma, um pouco nervosa.
 - Oh, havemos de pensar nalguma coisa - respondeu a Alma Amiga, piscando o olho.
 Então a Alma Amiga pareceu ficar séria, disse numa voz mais calma:
 - Mas tens razão acerca de uma coisa, sabes?
 - Sobre o quê? - perguntou a Pequena Alma.
 - Eu vou ter de abrandar a minha vibração e tornar-me muito pesada para fazer esta coisa não muito boa. Vou ter de fingir ser uma coisa muito diferente de mim. E por isso, só te peço um favor em troca.
 - Oh, qualquer coisa, o que tu quiseres! - exclamou a Pequena Alma, e começou a dançar e a cantar: - Eu vou poder perdoar, eu vou poder perdoar!
 Então a Pequena Alma viu que a Alma Amiga estava muito quieta.
 - O que é? - perguntou a Pequena Alma.
 - O que é que eu posso fazer por ti? És um anjo por estares disposta a fazer isto por mim!
 - Claro que esta Alma Amiga é um anjo! - interrompeu Deus, - são todas! Lembra-te sempre: Não te enviei senão anjos.
 E então a Pequena Alma quis mais do que nunca satisfazer o pedido da Alma Amiga.
 - O que é que posso fazer por ti? - perguntou novamente a Pequena Alma.
 - No momento em que eu te atacar e atingir, - respondeu a Alma Amiga - no momento em que eu te fizer a pior coisa que possas imaginar, nesse preciso momento...
 - Sim? - interrompeu a Pequena Alma - Sim?
 A Alma Amiga ficou ainda mais quieta.
 - Lembra-te de Quem Realmente Sou.
 - Oh, não me hei de esquecer! - gritou a Pequena Alma - Prometo! Lembrar-me-ei sempre de ti tal como te vejo aqui e agora.
 - Que bom, - disse a Alma Amiga - porque, sabes, eu vou estar a fingir tanto, que eu própria me vou esquecer. E se tu não te lembrares de mim tal como eu sou realmente, eu posso também não me lembrar durante muito tempo. E se eu me esquecer de Quem Sou, tu podes esquecer-te de Quem És, e ficaremos as duas perdidas. Então, vamos precisar que venha outra alma para nos lembrar às duas Quem Somos.
 - Não vamos, não! - prometeu outra vez a Pequena Alma. - Eu vou lembrar-me de ti! E vou agradecer-te por esta dádiva - a oportunidade que me dás de me experimentar como Quem Eu Sou.
 E assim o acordo foi feito. E a Pequena Alma avançou para uma nova vida, entusiasmada por ser a Luz, que era muito especial, e entusiasmada por ser aquela parte especial a que se chama Perdão. E a Pequena Alma esperou ansiosamente pela oportunidade de se experimentar como Perdão, e por agradecer a qualquer outra alma que o tornasse possível.
E, em todos os momentos dessa nova vida, sempre que uma nova alma aparecia em cena, quer essa nova alma trouxesse alegria ou tristeza - principalmente se trouxesse tristeza - a Pequena Alma pensava no que Deus lhe tinha dito.
Lembra-te sempre - Deus aqui tinha sorrido - não te enviei senão anjos

Neale Donald Walsch.

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