sábado, 6 de outubro de 2012


HOJE É VESPERAS DE ELEIÇÕES!



UMA MODESTA PROPOSTA
PARA A REFORMA POLÍTICA DO BRASIL

Aprendo muito lendo autores antigos. É o caso de Jonathan Swift, que escreveu as Viagens de Gulliver, que todo mundo conhece. Jonathan Swift era dotado de uma imaginação assombrosa que vinha sempre misturada com  humor. Escreveu, por exemplo, um livrinho com o título Uma pequena proposta para se resolver o problema da fome e do excesso de população dos pobres na Irlanda (não sei se o título era exatamente esse...) em que ele sugeria que, se os pobres  famintos comessem os seus filhos dois problemas estariam resolvidos de um só golpe: o problema da fome e o problema do excesso de população. É claro que essa proposta foi apenas uma gozação e serve para mostrar que há soluções óbvias que são monstruosas.

No espírito de Jonathan Swift atrevo-me a apresentar uma pequena proposta para se resolver o problema político do Brasil.

O problema que mais ofende é a corrupção. O Congresso se transformou, aparentemente, numa cassada aos corruptos. Fiquei assombrado quando um deputado mostrou na televisão as pilhas de documentos que deveriam ser analisados pela CPI de que faz parte. Uma tonelada... Pensei: quanto tempo vai demorar? Ler tudo aquilo para se chegar a uma conclusão? O Brasil não pode esperar.

Lembrei-me então das Viagens de Gulliver. Um dos países por ele visitado era notável por suas universidades e instituições de pesquisa científica. Numa outra ocasião escreverei sobre elas, pois as observações de Gulliver poderão ser de grande valia quando surgir a ocasião para uma reforma universitária.

Lagado era o nome desse país erudito. Pois o departamento de Política de uma das suas universidades estava trabalhando num projeto revolucionário, a pedido do governo. O governo estava preocupado com a possibilidade de sedição entre os parlamentares, talvez até mesmo um complô para matar o rei. Como descobrir esses inimigos da ordem pública? Responderam os cientistas: “É fácil Majestade. Basta que se façam, periodicamente, análises das fezes daqueles sobre quem caem as suspeitas. Porque as intenções da alma se acham reveladas nos excelentíssimos cocôs. É no cocô que se encontra a somatização da sedição.” 

O rei ficou encantado com sugestão tão científica e à pesquisa foram dados fundos generosos e sem limites que foram a felicidade dos pesquisadores.

Acontece, entretanto, que os resultados da pesquisa foram negativos. Não porque a teoria estivesse errada mas porque os cientistas se enganaram num ponto: a sedição não é somatizada no cocô; ela é somatizada na bílis verde. O que é somatizado no cocô é a corrupção. Isso só ficou demonstrado através da sagacidade analítica de Freud que demonstrou que, simbolicamente, cocô = dinheiro. Assim, chega-se ao caráter de uma pessoa através da análise do cocô e dos seus hábitos escatológicos. Em primeiro lugar analisa-se o cocô em si mesmo: consistência, cor, cheiro, volume. A seguir analisam-se os hábitos da pessoa em questão tais como posição, expressões fisionômicas, frequência, se lê ou não jornais enquanto obra. Essa análise permite ao médico concluir se os cocos em questão se tratam de um corrupto ou não.

Um procedimento semelhante a esse, aplicado aos nossos congressistas, evitaria a chateação e a demora das intermináveis sessões de interrogatório e de pilhas de documentos a serem lidos. As televisões anunciariam simplesmente: “O Departamento de Escatologia Política, havendo analisado as fezes do excelentíssimo ( nome da pessoa), chegou à seguinte conclusão ( segue-se a conclusão). Tomar-se-iam então as providências legais cabíveis cientificamente justificadas.

Mas não basta que os representantes do povo sejam honestos. O mundo está cheio de pessoas honestas e burras. Um deputado burro é uma vergonha nacional. Com base nessa constatação apresento minha segunda proposta: todos os candidatos a representantes do povo, em todos os seus níveis, deverão passar por um exame vestibular antes de serem aceitos como candidatos. Ouvi dizer que numa cidade do nordeste há um prefeito que não consegue assinar o nome. Claro que isso deve ser intriga da oposição. Mas, da mesma forma como os produtos mais simples só podem ser oferecidos ao público depois de passados pelo controle de qualidade, julgamos que a mesma norma deve se aplicar aos candidatos a vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidente.

O exame seria muito simples, em nada parecido com os vestibulares. Não haveria questões sobre logaritmos neperianos, nem sobre a tabela periódica e nem sobre escolas literárias. Seriam questões tiradas do cotidiano da vida de um excelentíssimo. Por exemplo:

“Justifique filosófica e praticamente a obrigatoriedade do uso da gravata nos espaços do Congresso.” Faço essa pergunta em parte movido pela curiosidade porque não sei para que serve a gravata. Teria sido, nas suas origens, um guardanapo que se amarrava ao pescoço? Mas eu não posso admitir que um deputado ou senador faça alguma coisa sem saber por que.

Outra questão: “Justifique psicologicamente o uso obrigatório de “Vossa Excelência” nos tratamentos nas sessões do Congresso. Esse tratamento significa que aquele que está falando realmente acredita que o seu interlocutor é excelente? Tem de acreditar. Caso contrário ele estaria mentindo, o que é imperdoável num representante do povo. De quais critérios se vale para determinar a excelência? Dada a suspeita de que há muitos corruptos no congresso, não seria prudente suspender por um período de tempo esse tratamento? E isso porque um corrupto poderia alegar inocência afirmando, com razão, que todos o trataram por “Vossa Excelência” nos interrogatórios. Se ele é excelente, como poderia ser corrupto? Excelente é o superlativo de bom. Se, ao invés da excelente, um congressista fosse tratado por “bom”, isso seria uma quebra do decoro parlamentar por parte daquele que assim o tratou?

Outra pergunta: “Para que serve o dedo indicador do urologista?” Devo advertir o meu leitor pouco informado que os urologistas são os médicos que os homens mais temem, precisamente por causa do seu dedo indicador. Num congresso médico um urologista amigo, esticou as mãos e disse: “Veja como o meu dedo indicador da mão direita é mais grosso que o dedo indicador da mão esquerda...” Era verdade... Por não saber para que serve o dedo indicador do urologista um deputado ( se ele não sabe para que serve o dedo indicador de um urologista, coisa de conhecimento público até das mulheres,  poderá o dito deputado saber das coisas mais graves da vida política, que muito se parece com um consultório de urologista, tendo o povo como paciente? )  subiu à tribuna para acusar o seu urologista de haver desrespeitado o seu excelentíssimo cu. Perdoem-me os meus leitores, pelo uso dessa palavra de duas letras tão chula. Mas, o que é isso comparado àquilo que os corruptos estão fazendo enquanto dizem “Vossa Excelência”? Valho-me do antecedente da Adélia Prado que escreveu um texto inteiro sobre tal orifício. Pornográfico mesmo foi o deputado que, ignorando para que serve o dedo do urologista, levou o seu excelentíssimo cu para a tribuna. Isso teve repercussões internacionais e os portugueses morreram de rir dos brasileiros. No Brasil rimos das piadas dos portugueses. Mas os portugueses se riem da política brasileira.

O exame vestibular seria, assim, feito com perguntas óbvias, tiradas do cotidiano da vida. Se o pretendente  não passasse não poderia se candidatar.

Aí estão essas duas modestas propostas que, se aplicadas de forma correta, matarão dois coelhos com uma cajadada só: a corrupção e a burrice. Espero a ocasião propícia para apresentá-las ao congresso nacional.

RUBEM ALVES.

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