Errar é humano. Perdoar é Divino!
Sr. Manolo era um velhinho de origem espanhola, de hábitos
simples, olhos bondosos e sorriso agradável. As faces enrugadas, os cabelos
completamente brancos, o corpo curvado e o modo de andar vagaroso mostravam a
idade bastante avançada do simpático velhinho. De fato, o Sr. Manolo muito
vivera e, também muito sofrera. A esposa querida e os filhos adorados já haviam
partido e, vivendo sozinho, sem família, sua vida seria bem triste se não
dedicasse sua atenção à pequena, mas preciosa horta, que cultivava com muito
carinho. Ali passava os dias cuidando das plantas, e seu trabalho era
recompensado: sua horta era linda! A mais bem tratada da vizinhança! Todos a
admiravam, e não havia quem não tivesse provado as deliciosas frutas e verduras
que o Sr. Manolo, generosamente, gostava de oferecer aos vizinhos. Assim vivia
nosso velhinho, sempre ocupado com a bonita horta que lhe trazia tanta alegria.
O tempo ia passando, passando, até que aconteceu uma coisa que o Sr. Manolo não
esperava.
Num
domingo, em que saíra para dar um passeio, ao voltar à casa encontrou sua horta
em completo rebuliço: as belas plantas floridas, as verduras e frutas, tudo
aquilo que era o encanto de sua vida, estava quase que inteiramente destruída.
Tamanha foi à emoção que não pôde dizer uma única palavra. Apenas as lágrimas,
que lhe rolavam pela face envelhecida, mostravam o sofrimento que lhe ia à
alma.
–
Quem teria sido? – pensava ele – quem o ferira, assim, com tanta maldade?
E
o Sr. Manolo chorava, olhando as mãos cheias de calos, como que perguntando se
ainda teria forças para refazer sua querida horta.
Depois,
mais sereno, começou a passar os olhos pela plantação estragada. Achou, então,
atirada ao solo, uma pá que não era sua. Examinando-a com atenção, reconheceu
as iniciais que nela estavam gravadas e ficou, por algum tempo, com a pá nas
mãos, imóvel, pensativo. Seu olhar fixo, no entanto, demonstrava a grande luta
que havia em seu espírito.
Que
devia fazer? Dar parte as autoridades?
E
o velhinho pensava, pensava...
Finalmente,
com um profundo suspiro e balançando a cabeça com tristeza, afastou-se da
horta, levando para casa a pá que encontrara.
Alguns dias se passaram. Estava o Sr. Manolo sentado à frente de sua casa, quando se aproximou seu vizinho Pedro, para pagar-lhe uma conta antiga. Ouviu com delicada atenção, as desculpas do vizinho, que lhe explicava as razões da demora, e, quando Pedro abriu a carteira, falou-lhe com bondade:
–
Não, amigo, não preciso desse dinheiro. Você tem filhos pequenos e sei que está
passando por dificuldades. Não se preocupe mais com o pagamento. Tanto recusou
o Sr. Manolo que Pedro muito agradecido, porém, um pouco confuso, voltou para
casa.
Novos
dias se passaram. Certa noite, fria e chuvosa, o Sr. Manolo acordou com
barulhos estranhos na casa do vizinho Pedro. Gemidos, correrias... Que estaria
acontecendo?
Preocupado
levantou-se e dirigiu-se para lá. Encontrou Pedro muito aflito, sem saber o que
fazer a esposa gravemente enferma, gemia na cama e ele não se animava a
deixá-la para ir buscar o médico.
–
Não se aflija amigo, eu irei - disse o velhinho, prestativo - ainda tenho
disposição para enfrentar o mau tempo. Sem esperar resposta, lá foi ele,
curvado sob a forte chuva à procura do médico. Em breve voltaram e a doente foi
atendida.
No
dia seguinte, Pedro, muito pálido e abatido, caminhava pela sua horta ainda
alagada pela chuva da véspera. Suas passadas incertas, seus gestos nervosos e,
sobretudo, os olhos cheios de aflição, revelavam a confusão que lhe ia à alma.
Pedro pensava e murmurava com voz trêmula:
–
Que vergonha, meu Deus! Quanta maldade trago no coração! Como pude estragar
tanta coisa?
Se
o Sr. Manolo soubesse... Ele, que é tão bom e tanto tem me ajudado...
E
Pedro lembrava o dia infeliz em que, embriagado, destruíra quase toda a horta
do vizinho, aquele prodígio de trabalho e paciência que sempre invejara.
Lembrava-se bem do que fizera e da pá que abandonara, entre as plantas caídas.
Várias noites fora procurá-la, mas não encontrara. Onde estaria ela, o
instrumento com que praticara tão feia ação.
Se
o Sr. Manolo a descobrisse, jamais me teria socorrido - murmurava sempre
caminhando, embaraçado com a ideia de que o vizinho pudesse saber a terrível
verdade.
Nisto,
parou, admirado. Rápido abaixou-se e puxou o cabo de um instrumento que
percebera como que caído ao acaso, entre os canteiros de sua horta. Era uma pá!
Como fora parar ali?
Examinou
melhor o lugar: era perto do muro, justamente no ponto de mais fácil acesso.
Pedro
compreendeu tudo:
–
O Sr. Manolo já sabia que fui eu quem estragou as plantações tão bem cuidadas!
E havia devolvido a pá que poderia provar a minha culpa!
Então,
sem mais demora, Pedro correu a casa do velho espanhol. Encontrou-o trabalhando
ativamente:
–
Olá amigo, seja bem-vindo! - disse o velhinho, parando e apoiando-se na enxada.
Pedro
aproximou-se humildemente. Quis falar e não pôde, soluços lhe sufocaram a voz.
Ajoelhou-se aos pés do velhinho e beijou-lhe as mãos, molhando-as com suas
lágrimas.
O
Sr. Manolo, comovido, sem nada comentar, olhava-o com bondade, fazendo,
contudo, com que o vizinho se levantasse.
Pedro
ergueu-se e, animado pelo sorriso acolhedor do velhinho, enxugou as lágrimas, e
disse:
–
Perdão! Perdoa-me, eu estava bêbado e coberto de inveja quando destruí sua
horta. Perdão!
Depois,
silenciosamente, pegou a enxada e começou a capinar vigorosamente, com o firme
desejo de desfazer os prejuízos que causara àquele bom homem que já o havia
perdoado.
“Errar é humano. Perdoar é Divino.”
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