FANTÁSTICO texto do
Rubem Alves sobre a incapacidade de ouvir, muitas vezes
porque estamos dominados por nossa
arrogância, nossa vaidade. Às vezes porque
nos julgamos bons demais, ocupados demais e ouvir dá trabalho, requer
tempo, atenção, doação. E a vida passa tão depressa, não é mesmo? E só depois “de inesperados fatos
acontecidos” é que nos APERCEBEMOS FALHOS... MERGULHADOS NA NOSSA FALTA DE
TEMPO... Amanhã, por exemplo, completa dois meses que meu Grande Amigo
Paulo Castanheira partiu desta vida, sem dar qualquer sinal de que estava
chegando sua hora... SUA PARTIDA Mexeu com “MEU HORRIPILANTE EGO...” Afinal,
não dei “o jeitinho” que ano a ano dava para compartilhar de “sua festa” e ir
abraçá-lo em seu aniversário, dias antes de seu falecimento... E ele se foi... SEM MEU ABRAÇO! E a vida
SILENCIOSAMENTE ME AVISOU... MEU CORAÇÃO SILENCIOSAMENTE me pedia “para dar uma
passadinha” em sua casa... Mas... O CORRE CORRE DA VIDA me desviou de meu
Sagrado Curso... Mas não me poupou “DE TER TEMPO” para estar presente em seu
velório! MEUS DEUS! O QUE ESTAMOS FAZENDO DE NOSSAS VIDAS!? Seja qual for a
nossa justificativa, afinal, são tantas... Merecemos parar um pouquinho e
apreciar O QUE NOS DIZ ESTE SÁBIO (com certeza um dos meus maiores Amores nesta
Vida Terrena) Espero que gostem... E que possam ao menos refletir SOBRE O VALOR
que precisamos DAR À VOZ QUE SURGE DE NOSSO SILÊNCIO INTERIOR... E você meu
Amigo Castanheira, me perdoe se não pude permitir que a Comunhão pudesse permear “nossas
emoções” e a gente, por meio delas, pudesse se juntar num contraponto sem o ponto
final.
Cleide Aramtes.
“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de
escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de
escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…. Diz Alberto Caeiro que “não é
bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter
filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre
como são as coisas… Para
se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também
que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta
ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele
diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse
digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que
a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de
nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos… Tenho um
velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela
revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios... Reunidos os participantes, ninguém fala.
Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante
do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando
todas as ideias estranhas.). Todos em silêncio, à espera do pensamento
essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala,
novo silêncio. Falar logo em seguida seria
um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que
ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo
a seguir, são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio
só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você
falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola)
fala. Falo como se você não tivesse falado”. Segunda: “Ouvi o que você
falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É
coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou”.
Em ambos os casos, estou chamando o
outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo
aquilo que você falou”. E assim vai a reunião. Não basta
o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o
silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se
referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há
palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo
do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e
ouvidos. Aí, livres dos ruídos do
falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de
tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: a Beleza que
se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza
mora lá também. Comunhão é quando a
beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
Rubem Alves.