AINDA SOBRE O CASAMENTO
Faz muito tempo que
não assisto a um casamento, e quando assisto não presto muita atenção naquilo
que o padre fala porque aqueles que foram contratados para fazer o vídeo e o
álbum de fotografias não deixam. Mas é assim mesmo. A cerimônia do casamento
existe só para ser filmada e fotografada. Quando os amigos fazem uma
visita é hora de mostrar o álbum de fotografias e os vídeos. O que comprova que
todos os casamentos são iguais. “Como a noiva estava linda!” Todas
as noivas são igualmente lindas. Disseram-me que num país do oriente ( as
coisas estranhas só acontecem em países do oriente...) escolhem-se as damas de
honra entre as moças mais feias – para que a beleza da noiva fique realçada.
Nesse país, ser convidada para ser dama de honra é um desaforo. Divaguei. Disse
tudo isso só para explicar que não estou certo das palavras tradicionais da
liturgia. “Aquilo que Deus ajuntou não o separe o homem”: é isso? Se for, acho
que está errado. O verbo está no imperativo. De acordo com a teologia católica:
quem realiza o sacramento não é o padre. É o próprio Deus. Se é Deus que
ajunta está vedado aos homens desfazer o nó que Deus deu. O fervor
da igreja sobre a questão da indissolubilidade do casamento não é
derivada de um piedoso amor à família. O que está em jogo não é a
família; é a igreja. Aceitar o divórcio é rejeitar a teologia sacramental
da Igreja, é rejeitar a própria igreja. Assim está proibido separar aquilo que
Deus ajuntou, isto é, aquilo que a igreja ajuntou. Eu proponho, entretanto, que
o verbo, ao invés de estar no modo imperativo, deve estar no modo indicativo:
“Aquilo que Deus ajuntou não o separa o homem”. Assim, se separou, é porque
Deus não ajuntou. Se Deus não ajuntou não há a menor razão para ficar junto.
Rubem Alves.
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