terça-feira, 17 de dezembro de 2013



FANTÁSTICO texto do Rubem Alves sobre a incapacidade de ouvir, muitas vezes 
porque estamos dominados por nossa arrogância, nossa vaidade. Às vezes porque nos julgamos bons demais, ocupados demais e ouvir dá trabalho, requer tempo, atenção, doação. E a vida passa tão depressa, não é mesmo? E só depois “de inesperados fatos acontecidos” é que nos APERCEBEMOS FALHOS... MERGULHADOS NA NOSSA FALTA DE TEMPO... Amanhã, por exemplo, completa dois meses que meu Grande Amigo Paulo Castanheira partiu desta vida, sem dar qualquer sinal de que estava chegando sua hora... SUA PARTIDA Mexeu com “MEU HORRIPILANTE EGO...” Afinal, não dei “o jeitinho” que ano a ano dava para compartilhar de “sua festa” e ir abraçá-lo em seu aniversário, dias antes de seu falecimento...  E ele se foi... SEM MEU ABRAÇO! E a vida SILENCIOSAMENTE ME AVISOU... MEU CORAÇÃO SILENCIOSAMENTE me pedia “para dar uma passadinha” em sua casa... Mas... O CORRE CORRE DA VIDA me desviou de meu Sagrado Curso... Mas não me poupou “DE TER TEMPO” para estar presente em seu velório! MEUS DEUS! O QUE ESTAMOS FAZENDO DE NOSSAS VIDAS!? Seja qual for a nossa justificativa, afinal, são tantas... Merecemos parar um pouquinho e apreciar O QUE NOS DIZ ESTE SÁBIO (com certeza um dos meus maiores Amores nesta Vida Terrena) Espero que gostem... E que possam ao menos refletir SOBRE O VALOR que precisamos DAR À VOZ QUE SURGE DE NOSSO SILÊNCIO INTERIOR... E você meu Amigo Castanheira, me perdoe se não pude permitir que a Comunhão pudesse permear “nossas emoções” e a gente, por meio delas, pudesse se juntar num contraponto sem o ponto final.
Cleide Aramtes.  

“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…. Diz Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas… Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…  Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios... Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as ideias estranhas.). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado”. Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou”. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou”. E assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: a Beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
Rubem Alves.